Meu pequeno, no próximo domingo passearemos de carrinho pelo bairro para, juntos, participarmos da democracia, votando no segundo turno da eleição para presidente do Brasil.
Aproveito para falar com você sobre esse assunto tão delicado. Apenas para contextualizar, esclareço que antes de Luíz Inácio Lula da Silva, que governou nosso país de 2003 a 2010, Fernando Henrique Cardoso ficou no poder de 1995 a 2002. Mamãe vê virtudes e defeitos tanto no governo de Lula quanto no de FHC.
Essa semana, aceitando o convite do seu padrinho Elias, participei de um debate virtual sobre o assunto e, com isso, acabei refletindo mais detidamente, o foi uma oportunidade ótima para clarear um pouco o meu sentimento quanto a política no nosso país.
Transcrevo abaixo trechinhos das mensagens que mandei, de forma que você possa entender o posicionamento político da mamãe.
Querido Elias, Já que vc abriu espaço para o debate, aceitando o convite e incluindo alguns amigos, pergunto a vocês: Quem são os verdadeiros candidatos à presidência do Brasil? Não sou a melhor pessoa para falar de política, mas pelo que tenho visto quem realmente está sob julgamento não são Dilma e Serra. Erenice e o nepotismo. Paulo Preto e a corrupção. Qual dessas criaturas foi mais acobertada? Não é reeleição, mas parece.
A guerra entre populismo e neoliberalismo não se justifica mais. O mundo evoluiu e já não comporta essa segmentação estanque. Porém Dilma e Serra seguem atuando como representantes de duas facções inimigas e não apenas rivais.
Seguem debatendo como se ambos já tivessem ocupado o cargo de presidente da república. Em função disso, em vez de defenderem idéias, gastam latim à toa acusando o “lado de lá” e infantilizando uma eleição que deveria ser mais adulta.
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Depois de uma enxurrada de manifestações inflamadas, algumas delas até com uma agressividade gratuita e deselegante de pessoas que não conheço, superei o desconforto inicialmente causado e refleti um pouco mais, mandando a seguinte mensagem para os participantes daquela conversa virtual:
Repetindo as palavras do colega de debate, concordo com o fato de que o voto consciente não pode ser uma paixão como a que move o futebol. Obrigada por nos convidar a deixar a paixão de lado, de forma a atermo-nos apenas às discussões políticas. Era exatamente isso o que eu esperava ao aceitar o convite do Elias.
Motivada com essa mensagem, reli a manifestação da Rosana e do Elias e gostaria de registrar o seguinte:
Rosana, acho muito simplista dizer que quem não vota na Dilma está olhando apenas para o próprio umbigo. Acho simplista apegarmo-nos à idéia de que somente quem vota no PT não é egoísta e se preocupa verdadeiramente com as questões sociais.
Sabemos que não é assim.
Elias, não acho que em uma eleição basta ser a favor ou ser contra. Seria muito confortável e fácil se fosse assim. O ser humano é muito mais complexo do que isso e, na verdade, todas as discussões que realmente valem a pena são inconclusas. Por isso mesmo, não sou a favor e nem sou contra, muito antes pelo contrário.
Defender um posicionamento de centro é muito mais difícil do que migrar para um dos pólos, seja mais a esquerda, seja mais a direita. Quem fica no meio costuma receber "chumbo" de todos os lados. Mas, como Buda - ha ha ha, gosto do caminho do meio e me incomoda bastante qualquer radicalismo e extremismo. Talvez por isso eu tenha dificuldade de debater questões mais profundas, especialmente durante uma eleição. Talvez por isso eu venha participando tão pouco da política e contribuindo bem menos do que eu deveria e poderia.
E isso acontece porque, como vocês mesmos disseram, numa eleição precisamos ser a favor ou ser contra. Acontece que nas pretensas discussões entre "a favor" e "contra" ninguém argumenta. Como deu para perceber até mesmo aqui no nosso espaço de debate, a maioria apenas reafirma abstratamente sua identificação: em "eu sou a favor" e "eu sou contra" e no final fica parecendo que o que mais importa é reforçar o "eu" e, com isso, inevitavelmente as discussões acabam por menosprezar reflexões mais profundas.
É claro que não são apenas os adeptos de Dilma que se preocupam com a injustiça social em que vivemos. Acredito que a bondade é da essência do ser humano e que corruptos como Newton Cardoso, Eduardo Azeredo, José Dirceu, Delúbio, Sarney, Fernando Collor estão em desequilíbrio consigo mesmos e com o universo.
Infelizmente a corrupção está presente em todos os partidos e não vem ao caso medir qual deles está liderando o ranking. Isso apenas esvazia a discussão já que nunca saberemos a resposta.
Para mim, o que torna mais difícil a vida do eleitor brasileiro é a falta de ideologia partidária. Não dá para confiar na ideologia do partido em que votamos porque as coligações de conveniência atrapalham e desvirtuam tudo.
Somos apenas fantoches manipulados pelo jogo de poder. Tenho a sensação de que jamais saberemos a verdade.
Obrigada a todos por me provocarem a escrever essas linhas e, com isso, clarear um pouco mais as minhas idéias.
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André, foi José Saramago quem, do outro lado do oceano, ajudou a mamãe a entender um pouco o que está acontecendo na política brasileira.
O português Nobel de Literatura disse que a lógica do poder no Brasil é muito estranha. Na opinião dele não existem partidos políticos por aqui. Existem sim grupos de interesses, alianças que fazem e se desfazem de acordo com as conveniências do momento. E é exatamente o que estamos vivendo em nosso país.
Em uma entrevista que marcou a mamãe por trazer muita lucidez e compreensão ele disse que no Brasil acontece algo parecido com o que chamou de "caciquismo" querendo dizer que algumas pessoas chegam ao poder sem saber exatamente porque lograram esse êxito.
De qualquer forma, meu amor, o que eu queria com essa mensagem era te dizer para não se apressar em se dizer contra ou a favor de algo, especialmente se a questão tiver uma natureza mais complexa.
E na política, especificamente, não se deixe classificar como de esquerda ou de direita. Quanto aos demais assuntos, não tenha idéias preconcebidas e inflexíveis. Tente livrar-se de todo e qualquer preconceito.
Relendo os meus diários percebo o quanto sou diferente daquela adolescente cheia de “certezas” e pretensas convicções. Hoje já não tenho certeza de mais nada. Apenas acredito momentaneamente em alguma coisa e sei que meus posicionamentos e entendimentos mudaram muito com o decorrer do tempo e que poderão continuar mudando enquanto eu estiver viva. E isso é muito bom e saudável! E isso é escolha, é liberdade é vida e transformação.
Triste daquele que passa a vida inteira defendendo sempre os mesmos pontos de vista, preso aos mesmos preconceitos, idéias e crenças. Essas pessoas correm o sério risco de tornarem-se ultrapassadas e defasadas.
Que fique claro que não estou me referindo especificamente a ninguém que participou daquele debate virtual e também gostaria que soubesse que ao escrever essas palavras não me refiro apenas à política.
Estou apenas aproveitando o brain storm provocado pelo diálogo virtual para registrar o meu pensamento e o que sinto nesse exato momento. Percebo agora que, enquanto adolescente, eu não precisava ter me apressado tanto para tentar definir quem eu era e no que eu acreditava. Gastei tanta energia atoa…. Hoje sigo sem saber quem sou…. Atualmente, sabendo que o autoconhecimento é missão para a vida toda, perdi aquela pressa juvenil.
Como dizia Raul Seixas: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.
Conforto-me por saber que essa questão do autoconhecimento é tão importante e relevante que vem sendo discutida há mais de 2.500 anos, inquietando os filósofos da Grécia antiga.
O assunto foi imortalizado em frases como: “Conhece-te a ti mesmo” de Socrátes e, posteriormente, “Torna-te quem tu és” do filósofo alemão Nietzsche. Uma pena que a questão tenha sido tão banalizada tornando-se um produto a venda nas prateleiras de autoajuda.