segunda-feira, 3 de maio de 2010

Sozinha mas em boa companhia

Não evito uma solidão esporádica. Na verdade, a mamãe curte os  raros momentos de silêncio em que posso estar completamente só.

Desde quarta-feira o papai está viajando e confesso que estou - e imagino que ele também esteja - curtindo esses momentos de resgate. Sem a solidão não sou capaz de me escutar, de me reconhecer.

Segundo Hilda Lucas “solidão é o lugar onde encontro a mim mesma”.

Concordo com a colunista que diz que “Num mundo superlotado, onde tudo é efêmero, voraz e veloz, a solidão pode ser oásis e não deserto.  Solidão é exercício, visitação. É pausa, contemplação, observação. É inspiração, conhecimento. É pouso e também vôo. É quando a gente inventa um tempo e um lugar para cuidar da alma, da memória, dos sonhos; quando a gente se retira da multidão e se faz companhia. Quando a gente se livra da engrenagem e troca o medo de ser só pela coragem de estar só.”

Claro que não estamos falando de solidão como isolamento, e a escritora continua: “Ninguém quer ser solitário, solto, desgarrado. O desafio é poder recolher-se para sair expandido. É fazer luz na alma para conhecer os seus contornos, clarear o caminho e esquecer o medo da própria sombra.”

E para que eu possa estar verdadeiramente com as pessoas ao meu redor, preciso antes estar comigo. Sem a solidão acabo me espelhando nos outros e corro o risco de esquecer de mim, de quem sou.

Foi por tudo isso que, em 2007, criei o desafio de viajar sozinha Pucón (1) para Buenos Aires e Chile, já que o papai, por opção, não tirou férias. E o interessante é que foi justamente nele que fui buscar coragem e forças para viver a experiência e o desafio de viajar tendo eu mesma como minha única companhia.

Queria vivenciar situações nas quais tivesse que me virar sem contar com a prudência, com o equilíbrio, com a estabilidade, a sabedoria e a segurança que sinto ao lado do seu pai.

Queria também, é claro, conhecer lugares, pessoas interessantes, que me mostrassem novas realidades, culturas e filosofias de vida. Pessoas que pudessem ampliar os meus – ainda limitados- horizontes com seus relatos e vivências. E, principalmente, queria estar mais em contato comigo mesma.

Quando se viaja só parece que tudo é mais intenso. Passar um tempo sem que ninguém ao seu redor saiba exatamente quem você é, por si só, é uma experiência tão interessante quanto a viagem.

E a decisão não foi apenas uma questão de provar algo para mim ou para alguém. Imagino que algumas pessoas me consideraram excêntrica por viajar só. Outras podem até ter me taxado de misantropa quando, em 2008, novamente fui sozinha para Washington e Nova Iorque. Mas, aqueles que me conhecem melhor sabem que gosto de uma vidinha social, que aprecio uma boa companhia para uma cervejinha e que não tenho nada de eremita.

É claro que, como todo mundo, eu também tenho os meus momentos de melancolia e de carência e, de tempos em tempos, me isolo um pouco, mas nada que ultrapasse o que considero saudável e natural.

Na verdade acredito que esses momentos de reflexão, em que a emoção fica mais intensa e aguçada, são muito importantes, pois geram a oportunidade de reavaliar os padrões e escolhas que fazemos a toda hora.

Nesses poucos momentos podemos reescrever nossa estória e dar a forma e a cor que preferirmos para os fatos e acontecimentos ocorridos.

O roteiro de viagem escolhido foi a região dos Lagos Chilenos passando por Santiago e, mais uma vez, Buenos Aires. Nessas duas últimas cidades encontrei-me com o Ricardo e Melissa que estavam fazendo praticamente o mesmo roteiro.

Lembro-me que, sobrevoando a Cordilheira dos Andes no vôo entre Buenos Aires e Santiago, sozinha,  senti-me como o menino do texto do Eduardo Galeano que a Amanda me mandou:

A função da arte - Eduardo Galeano

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:

"Me ajuda a olhar!"

O vôo foi realmente belíssimo! Faltou-me ar diante da beleza e da imponência dos picos nevados contracenando com o céu azul.  E não tinha ninguém para me ajudar a olhar... Fiquei ali, inutilmente, tentando sozinha absorver tanta beleza.

É comum as pessoas relacionarem as desvantagens de viajar só. Realmente existem vários inconvenientes. Vc pode machucar-se, passar mal, ser assaltado, ser mal tratado e, estando sozinho, enfrentar qualquer uma dessas situações é muito mais difícil. Além disso, você não tem com quem dividir os bons e belos momentos sendo que jantar e acordar sozinha não é realmente muito divertido.

Mas existem vários os aspectos positivos que fazem valer a pena viver essa experiência. Primeiramente por poder fazer o que queremos, quando queremos e da forma que queremos. Mas isso é o de menos. Sozinhos somos obrigados a  tentar descobrir o que realmente queremos fazer sem qualquer influência externa e,  por incrível que pareça, isso não é tão fácil.

Quando estamos sós, ficamos mais abertos para conhecer outras pessoas e ficamos mais humildes, mais centrados e espontâneos, sem medo de fazer o que realmente queremos. Vivemos intensamente cada situação.

Entardecer em Pucón (1) Nessa viagem mamãe escalou o vulcão Vila Rica. A escalada não foi fácil. Pensei em desistir. Senti-me um pouco mareada, tonta e fraca nas partes mais íngremes que, na verdade, eram verdadeiras paredes de neve nas quais eu tinha que ir equilibrando naqueles grampões de gelo que se encaixam nas botas. Para quem nunca tinha pisado em neve, foi uma verdadeira overdose.

No meio do caminho... suspense... Escalada ao Vulcão Villarrica - Pucón (13) Estava ventando muito e o vento levantava a neve do chão e chicoteava nosso rosto tirando nosso equilíbrio. O guia avisou que se continuasse assim não poderíamos prosseguir já que lá em cima o vento seria ainda mais forte. Continuamos subindo e controlando o cume. Víamos lá de baixo nuvens de neve serem levantadas com as fortes rajadas do vento. Parei de olhar para baixo e para cima e fui seguindo, passo a passo, olho fixo no chão pensando em desistir a qualquer momento. Somente assim pude chegar ao cume de um dos vulcões mais ativos da América do Sul.

De lá pude ver o magma quente e vermelho explodindo do coração da terra. Muito impressionante a força da natureza.

Nosso grupo era composto por duas Irlandesas, uma Eslovênia e um Inglês, além dos dois guias chilenos. A descida foi muito divertida e com muita adrenalina. Descemos de skibunda com uma proteção especial para não nos molharmos.

Escalada ao Vulcão Villarrica - Pucón (26) A companhia contratada ofereceu, além do seguro, todo o equipamento, ou seja, botas para caminhar na neve, calça, blusas de frio, grampões para encaixar nas botas, aqueles martelos que não sei como se chamam e que fazem às vezes dos bastões de caminhada, capacete, gorro, luvas. Estava muito frio, 5o C abaixo de zero. Mas valeu o esforço. O visual lá de cima é belíssimo e, mais uma vez, senti falta do seu pai para que ele me ajudasse a olhar.

André, espero que você tenha muitos amigos e que encontre uma pessoa bacana para compartilhar a vida, mas desejo, principalmente, que você seja boa companhia para você mesmo.

Que saiba se recolher e se resgatar sempre que isso for necessário.

Espero que aprenda a se sentir confortável consigo mesmo e saiba escutar o silêncio interno para seguir de forma consciente o seu destino.

Papai chega hoje a noite, ansioso para sentir você se movimentando em minha barriga e feliz por retornar para nossa casa. E eu, renovada, mais feliz ainda de tê-lo por perto.

Um comentário:

  1. André,

    Nesse post coloquei alguns trechos do diário dessa viagem que fiz sozinha à Buenos Aires, Santiago e Lagos Chilenos.

    O journal foi redigido em capítulos e enviado por e-mail para seu pai e algumas pessoas queridas.

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