Meu filho,
No sábado de madrugada, numa pousada em Mário Campos, em um berço de almofadas delicioso que fiz para acolher a criança que fui, a mamãe se entregou ao medo de amar.
E esse medo, infelizmente, é um velho conhecido meu. É um sentimento que dói e machuca, que me paralisa, que me esgota. Mas, naquele dia, a mamãe se permitiu chorar e ‘chorou, chorou, chorou’ tal qual aquela música do passarinho na gaiola que você adora cantar. E a mamãe foi ficando assustada e o medo foi aumentando, aumentando, aumentando. E veio o medo de, com o meu choro, acordar as outras ‘crianças’ que dormiam suavemente naquele ‘Porto Seguro’.
E veio o medo de, com o meu choro doído, acordá-lo também. E o escuro da madrugada, e a solidão que tomava conta de tudo fez com que eu mergulhasse ainda mais naquele pavor que me abraçava. E o medo foi aumentando, aumentando tanto, que achei que iria morrer.
Quando supus que já tinha chegado no mais profundo do que o meu pânico permitia, uma ave de rapina cruzou o céu, bem baixinho e bem pertinho do berço que acolhia a mamãe na varanda daquela noite fria. E depois veio outra. E a mamãe, paralisada, não sabia se corria, se chorava ou se gritava. Apenas fui capaz de me encolher ainda mais, curvando-me à minha incerteza sobre o amor e na dor de perceber que, por medo, não em entrego plenamente à vida, às pessoas lindas que me rodeiam, ao amor e a você.
Isso porque na imaturidade da minha alma, por medo de que algo de ruim aconteça, por medo de te perder, por medo de não te merecer, ainda não sou capaz de me entregar plenamente ao amor, meu filho lindo.
E ao lado disso existe o medo de que, em algum movimento, eu perca o seu pai, e tem também o medo de perder seus avós, suas tias e tantas pessoas queridas. Medo de adoecer, de ficar dependente. E medo de me entregar ao fluxo da vida. E a minha dificuldade de sentir a confiança de que tudo está certo, tudo no seu devido lugar, tudo no seu devido tempo. E finalmente os maiores medos que são: o medo da vida e o medo da morte.
Aos poucos estou contando para minha alma insegura que não morremos de medo. Só morremos se não formos capazes de amar plenamente a vida, as pessoas, a nós mesmos, pois como me ensinou a Carla Eboli, o contrário do medo, meu filho, não é a coragem, é o AMOR.
E quando o dia amanheceu trazendo luz para minha escuridão, ouvi seu chamado no berço do quarto: ‘oh mamãããe, mamãnheeeeee’ e, com ele, a alegria de estar viva e de poder aprimorar cada vez mais a minha forma de amar.
E fomos juntos tomar nosso café da manhã…

No dia seguinte, quando chegamos em casa, contei o que vivenciei para a vovó Marilia e para o seu vovô Bill. Contei que, no meio do meu medo, tive coragem de observar com cuidado as duas aves que, aos gritos, expressavam aquele todo aquele pavor, ajudando-me a me curvar a ele e descobri que tratava-se de duas corujas brancas.
O Vovô Bill, com sua paixão por aves, correu aos livros e da pesquisa resultou que se tratava da Barn Owl. Do outro lado do telefone, a vovó Marilia contou que referida coruja era linda e que as danadinhas que tanto me assustaram naquela noite abençoada tinham o rosto em formato de coração!!!!

E veja nesse link como era o som que fazia aquele casal de corujas ao cantar o meu medo de amar:
http://www.allaboutbirds.org/guide/Barn_Owl/sounds/nc
E enquanto eu escrevia essas palavras, lembrei-me desta música do Beto Guedes
O Medo de Amar e o Medo de Ser Livre
O medo de amar é o medo de ser
Livre para o que der e vier
Livre para sempre estar onde o justo estiver
O medo de amar é o medo de ter
De a todo momento escolher
Com acerto e precisão a melhor direção
O sol levantou mais cedo e quis
Em nossa casa fechada entrar pra ficar
O medo de amar é não arriscar
Esperando que façam por nós
O que é nosso dever: recusar o poder
O sol levantou mais cedo e cegou
O medo nos olhos de quem foi ver
Tanta luz
E eu daqui, pegando carona na inspiração do compositor, escolho “recusar o poder” (recusar a ilusão do controle). Escolho abrir-me totalmente para que o sol entre na minha “casa fechada” cegando o medo dos meus olhos que buscam toda essa luz.